2006/03/27

 

Professor José de Sousa Esteves

Peço a António Capucho que dê o nome de José Esteves a uma rua de Cascais.

Encontro o professor com alguma frequência no Shopping ou no Jumbo onde ele se desloca todos os dias por via das sopas, dos livros, dos CDs e das fotografias. (São originais os auto - retratos de aniversário). É assim que ele se alimenta.

Nutrição frugal para um octogenário cuidadoso, literatura e música, a que eu acrescento, muita vontade de viver para ver o mundo mudar.

É com crescente ternura e respeito que o revejo desde os meus 12 anos, no Liceu de Oeiras, reconhecendo que o tempo cimenta a amizade.

Foi ele que em meia dúzia de palavras e exemplos me mostrou para que serve o Desporto que ele professa, que não os outros desportos que condena, o que é “espírito de grupo” e o que é viver com e para um objectivo. Saberes que tanto servem no rectângulo do jogo como, no da vida.

Com o seu sorriso simpático e a sua memória impressionante, reconhece a maioria dos seus milhares de alunos pelo nome completo. Conta de cada um, pormenores de que já nem nós nos recordamos.

Vive em Cascais, este exemplo de democrata, caprichosamente na rua Marechal Carmona, um não democrata, no numero 864, há cerca de 50 anos.

“Luís Evaristo Pereira de Sousa” diz – me ele enchendo – me de uma gratidão e algum receio que se justifica muito para além de ter decorado, há meio século, o meu nome de aluno traquina, porque admito ser ele possuidor de alguma ciência ignota, que lhe permitiu conhecer mais dos seus alunos que eles próprios.

E minha vida académica, confesso, não é para emoldurar.

“Todos conhecemos as ideias e o magistério do prof. José de Sousa Esteves, nos domínios da pedagogia e do desporto. Mas, para mim, ele está de modo particular ligado á sua acção na Academia de Coimbra, durante os anos da 2ª Guerra Mundial, e do período que imediatamente se lhe seguiu. Cristão, democrata e socialista, corajoso interventor nas lutas pela liberdade, pela justiça, pela dignidade humana, a sua actividade cívica foi sempre um compromisso para com a sua consciência e uma exigência de quem tem mais para dar que a receber.”

Quem o disse foi Salgado Zenha seu amigo durante muitos anos, até á hora da morte.

Zenha, um dos muitos, milhares de amigos, porque não houve um único aluno que não sentisse admiração por aquele professor que procurava semear em cada um de nós a vontade de modificar o mundo. Pelo menos o nosso que tanto poderia ser o da turma, da equipa, do Liceu ou do País.

Sociólogo do desporto autor de trabalhos fundamentais, respeitado e estudado em muitas faculdades europeias e americanas, o velho professor hoje, ainda terá uma palavra a dizer , se lha derem.

Os admiradores, são gente anónima, ou até Presidentes da Republica. Para Jorge Sampaio “José Esteves tem a qualidade de nos fazer pensar. As suas perguntas são uma fonte inesgotável de reflexão…. As suas práticas não contradizem nunca as suas teorias. …É sempre o mesmo cidadão que não se demite do seu papel de”consciência critica” e que não cala a sua indignação perante “todos os racismos...”

Não seja por, nos seus 86 anos ter sido algumas vezes incómodo, para políticos bem acomodados, para pensadores de circunstância, para instituições de acções dúbias, que José Esteves, não tenha o seu nome numa rua da nossa “cidade”. Lembro que são os incómodos, quem faz andar o mundo.

Será uma honra para Cascais e seremos muitos a ficar felizes. Contudo, jamais ficaremos com a ideia de que alguma vez retribuiremos o muito que o “velho professor” nos legou nas suas aulas, nos seus livros ou no seu dia – a- dia.

E para que se saiba, e o comprometa, termino com as palavras de António Capucho, o nosso Presidente na contra -capa de um dos seus livros; “José Esteves foi meu professor no Liceu de Oeiras. Foi um dos raros professores que nos marcaram positivamente para o resto da vida. Sabia tornar atraentes as aulas de Ginástica, mesmo para aqueles que não tinham especial aptidão física. Sabia também adivinhar em nós a existência deste ou daquele problema pessoal, e discretamente, abordar – nos criando o ambiente de intimidade indispensável para o necessário desabafo sem paternalismos e uma infindável capacidade de compreensão”.

Então António Capucho onde está a dúvida? De que estamos à espera? Merece ou não merece?

(Enviado por email por Luis Pereira de Sousa)

2006/03/12

 

José Cardoso Pires


" (...)

Cardoso Pires - Tive professores como o Câmara Reis, de Literatura, que era um bom professor. Mas era um bom professor não para um Liceu, mas para uma Universidade. Ele partia do princípio de que toda a gente já sabia o mínimo. E 90% não sabia.

J.C. Amarante - Portanto dava aulas para níveis mais avançados...
Cardoso Pires - A mim, esse professor deu literatura e foi um deslumbramento.

J. C. Amarante - Porquê?

Cardoso Pires - Porque ele falava de autores de que eu nunca tinha ouvido falar. Lembro-me muito bem que nessa altura (eu já tinha 15 anos), li o grande escritor da minha vida, o Ferreira de Castro. Foi um contacto que me transformou. Já estava farto de Bernardim Ribeiro.

J. C. Amarante - Houve outros professores?

Cardoso Pires - Sim, no 6º ano tive a sorte de encontrar um professor de Matemática, muito temido, chamado Alberto Beirão, que chumbava cavalarmente. Mas havia um grande respeito por ele. Quando aparecia numa turma, ficava tudo com medo porque, para começar, dava logo uma vassourada. Esse professor gostava muito de falar de História da Matemática e isso interessou-me. Eu não terminei o curso de Matemática por causa de duas cadeiras.

J. C. Amarante- Mas houve um outro professor de Matemática?

Cardoso Pires - Sim, houve. E era muito parecido com o Prof. Alberto Beirão. Ao explicar uma coisa, ele dizia, por exemplo, «este teorema foi inventado por Euclides. Quem foi Euclides?». Aquilo embalava as pessoas. De maneira, que pela primeira vez, tive notas razoáveis.

(...) "

José Cardoso Pires
(in Noesis-nº46-ABR/JUN 1998)

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