2006/02/25

 

Os Professores que eu não tive - por José Jorge Letria


Frequentei a escola primária no chamado regime oficial, em meados dos anos 50, na vila de Cascais, terra onde nasci e na qual desempenhei as funções de vereador, designadamente na área da cultura.

Quando revisito esses tempos, ou seja, os da minha infância e dos meus primeiros contactos com a actividade escolar, mais do que recordar-me de um professor ou de professores em particular, do que me recordo é do carácter repressivo que o ensino tinha nessa época, não conseguindo os professores, mesmo os mais seníveis e humanos, libertar-se desse estigma que, forçosamente, se reflectia de forma negativa no quotidiano dos alunos.

Por isso, ainda que me custe,, não posso destacar nenhum professor em particular, embora tenha de alguns deles algumas recordações agradáveis, que, no entanto, têm mais a ver com a vertente humana do que com a qualidade do ensino praticado.

Em meados dos anos 50, ou seja, em plena ditadura, o ensino oficial era ainda o da réguada,, da ponteirada, do alinhamento quase marcial dos alunos em filas junto às paredes e da vigilância permanente em relação a qualquer forma de rebeldia que perturbasse a "ordem" que os docentes desejavam que fosse dominante. Não posso garantir que fosse este o ambiente geral nas escolas do ensino primário em todo o país, mas sei que foi este o ambiente que conheci e vivi e que não me deixou recordações particularmente agradáveis.

Esse tempo, para além do carácter repressivo, era também marcado pela generalizada rejeição da criatividade e das formas mais engenhosas de imaginação infantil.

Não se contavam histórias, não se estimulava o imaginário infantil e colectivo nem se apoiava nada do que fosse criativo ou diferente. Tudo se regia pela norma, pela regra, pela ortodoxia da mediocridade, à medida de um tempo que, no plano estritamente escolar, não me deixou saudades.

Frequentei depois, durante sete anos, até entrar na Universidade em 1968, o Liceu Nacional de Oeiras, onde tive a sorte de lidar com professores que já nada tinham a ver com a pobreza de horizontes dos meus tempos de escola primária. Dessa época recordo nomes como Joana de Barros, Manuel Tavares, Hardison Pereira, Viirgínia Lima e José Esteves, alguns já falecidos, que me transmitiram, através das disciplinas que leccionavam, o gosto pela aquisição de novos saberes e sobretudo a paixão pela liberdade enquanto componente fundamental da fruição e da compreensão da cultura.

Não direi que foram esses os professores da minha vida, pois acho que os professores da minha vida os encontrei sobretudo fora da escola, mas posso assegurar que a qualidade humana e intelectual dos que refeti tornou o meu processo de crescimento e emancipação intelectual mais sólido e mais concistente. Foi também nessa época que compreendi, em toda a extensão dessa forma de percepção, a importância que tema relação do adolescente com a escola e a educação na formação plena, livre e criativa dos cidadãos do presente e do futuro.

Hoje, 32 anos depois do 25 de Bril, considero que o sistema escolar português pode evidenciar muitas carências e defeitos, mas sou forçado a sublinhar que as condições de liberdade em que funciona o tornam, em absoluto incomparável com a realidade que eu vivi enquanto fui criança e adolescente...

José Jorge Letria é autor de Literatura Infantil e juvenil. Foi distinguido, nomeadamente, com o "Prémio Ambiente na Literatura Infantil" nos livros "O Grande Continente Azul", "Uma viagem verde" e "O pequeno pintor".

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